Ando pensando em escrever um livro sobre...Não vou precisar inventar nada ...Talvez eu fique rico e

Ando pensando em escrever um livro sobre a gagueira e timidez, não vou precisar inventar nada tudo seria baseado na minha própria experiência de luta contra essas duas calamidades que assolam parte da humanidade, e das quais ninguém fala, ou porque é muito tímido ou porque gagueja tanto que ninguém entende.

Sim, sou gago. Pouca gente nota. Dizem que ninguém é gago quando pensa ou quando canta. Mas a telepatia ainda não está disponível e não dá pra falar cantando como se fosse uma musica.

Minha gagueira eh seletiva. Palavras começadas com B, por exemplo, eh batata. Sempre que vou a biblioteca tenho que inventar que vou a outro lugar, porque não há palavra mais difícil pra um gago do que “biblioteca”. Quem inventou essa palavra devia ser processado por bullying. Eu saía da sala de aula dizendo que ia “ali” (palavra fácil, ingaguejável) e pegava o rumo da impronunciável biblioteca. Sim, porque, sendo tímido, em que outro lugar me sentiria mais seguro que naquela sala vazia, silenciosa, onde falar (logo, gaguejar) era inclusive proibido?

Como vencer a gagueira? Primeiro, evitando palavras começadas com B (sim, para isso é que servem os sinônimos, não para fazer palavras cruzadas), e também as começadas com P, com N e com boa parte do alfabeto.

Vencer a timidez tem sido mais difícil. Não basta conseguir falar. É preciso saber o que falar, como andar, onde colocar as mãos, os olhos, o que fazer com os cotovelos, com as ideias, com a vontade de sumir e me enfiar de novo numa biblioteca.

Tento ser outro. Um outro qualquer, capaz de dizer coisas banais, e que não se importa de ouvir banalidades, porque a vida que se desenrola fora da cabeça de um tímido é apenas isso: banal.

Poderia escrever um livro de autoajuda falando disso. Enchendo bastante lingüiça, claro, pra poder ser um bom livro de autoajuda.

Talvez eu fique rico (afinal, tímido adora livro) e Famoso. Mas teria que dar entrevista, ir aos programas televisivos, fazer noite de autógrafo. Melhor não. Vai que me perguntam como tudo começou, e eu tenho que contar que era rato de biblioteca, e a palavra “biblioteca” não sai.